Quando falamos em RHs – contratação, treinamento e bem estar do profissional – uma palavra deve sempre vir à mente: Isonomia!
Porém, seres humanos têm áreas de parcialidades, pontos cegos que merecem e devem ser analisados de tempos em tempos para que o nosso profissionalismo e empatia andem de mãos dadas. Essa é uma missão de todos, especialmente educadores e todos que, direta ou indiretamente, estejam na educação.
Um tópico de suma importância que precisa ser discutido é a questão da identidade de gênero no ELT. Há preconceito, há descaso, há falta de profissionalismo e é isso que buscamos combater! Queremos um ELT mais justo, mais moderno, mais humano. Para tanto, convido uma personalidade que muito admiro pela coragem, pela simplicidade, pelo profissionalismo e pela bravura em tomar as rédeas da vida com suas próprias mãos e ser uma das mais brilhantes profissionais do ELT que conheço. Laura Magalhães é trans e contará em primeira mão a sua história, sua visão sobre o preconceito, sugestões para que gestores e entrevistadores lidem com a questão LGBT e como podemos tornar o ELT mais isonômico, humano e profissional.
(Julio Vieitas) Laura, conte-nos sobre você, sua trajetória no ELT e como se sente como professora de língua inglesa.
(Laura Magalhães) – Julio, gostaria de primeiramente agradecer ao convite e parabenizá-lo pela iniciativa. É sempre importante discutir o tema identidade de gênero, ainda tabu para tantas pessoas e empresas.
Eu iniciei minha trajetória em 2000, quando decidi ir visitar uma prima nos US, New York, e acabei ficando por lá por três anos. Trabalhando, estudando e vivendo o idioma. Não foi uma experiência tão rica, porque vivi cercada por brasileiros, eu usava o inglês quando estava na escola ou trabalhando. Fiz um curso de inglês voltado para a comunidade latina que residia a cidade onde morei, White Plains NY e trabalhava numa cafeteria no centro da cidade. Agora na atual empresa onde trabalho é que estou tento uma formação mais encorpada e expressiva. Minha formação inicial no idioma foi bem simples e superficial. Infelizmente.
(JV) Laura, há muitos depoimentos de preconceito no ELT. Você já sofreu preconceito por ser trans?
(LM) Claro que sim, o primeiro deles é com a visão que se tem de transexualidade ou travestismo. Alguns “alunos”, quando se dão conta que se trata de uma professora transgênero, partem para um questionamento pessoal e invasivo. Fato que nem sempre acontece quando a negociação de aulas e preços é com uma professora cisgênero. É preciso muito auto-controle, imposição de respeito e limites para conseguir seguir com uma conversa.
Também tive portas fechadas, depois de todo um processo seletivo bem sucedido, quando revelei que ainda não tinha meu prenome alterado para o meu nome social. Tendo de revelar minha condição de mulher trans, a vaga foi por muitas vezes negada, e nem sempre elegantemente negada.
(JV) Como você vê a questão do nome de registro e o nome escolhido como identidade de gênero? Como os RHs podem agir de forma adequada?
(LM)Eu trabalho atualmente numa empresa que sempre teve muito cuidado e respeito com relação ao meu prenome e toda a comunicação interior na empresa. Eu realmente só tive de ler meu nome do registro civil em documentos que realmente necessitavam do próprio. Eu vejo que isso ainda não acontece em grande escala. Semana passada fui atendida por uma mulher linda numa loja de departamentos e quando olhei para o crachá que ela usava, pude ler um nome nitidamente do gênero masculino e isso me entristeceu demais.
É muito importante para qualquer pessoa, afinidade entre a imagem social enviada e nome pelo qual você é tratado também socialmente. Os departamentos de RH precisam estar atentos ao constrangimento que qualquer disparidade causa ou colaborador e ao cliente ou consumidor.
(JV) O que os RHS no ELT podem fazer para diminuir o preconceito?
(LM) É importante haver informação, abertura e discussão. O preconceito é fruto da desinformação e alienação. Muitas pessoas podem rever seus conceitos e opiniões, depois de informadas, expostas a casos de sucesso e/ou excelência em serviços prestados. E mesmo mantendo seus conceitos de reprovação de uma identidade transgênero, é pelo menos possível construir um senso de respeito pelo ser humano em questão. O que ao meu ver é essencial.
A informação vai nos levar ao entendimento e mudança. Eu acredito que futuras gerações viverão num mundo mais justo e diverso.
(JV) Laura, você percebe diferença de oportunidades para a comunidade trans? Caso sim, o que pode ser feito para erradicarmos o preconceito?
(LM) sim, diferentes oportunidades para pessoas trans. Assim como também há para a comunidade negra, para deficientes físicos, dentre outros. O mundo está passando por um processo de conscientização e aprendizado. Estamos nos dando conta de que por muitos anos, pensamos e fizemos coisas de uma maneira muito equivocada, desinformada e errada. A informação vai nos levar ao entendimento e mudança. Eu acredito que futuras gerações viverão num mundo mais justo e diverso.
(JV) Como você vê o futuro no ELT no quesito isonomia?
(LM) Eu sou uma otimista por natureza. Eu acredito que já vivemos dias melhores do que vivemos a dez anos atrás. Muito foi conquistado e consolidado. É claro que ainda temos um caminho longo e árduo pela frente. Mas se contabilizarmos ganhos e perdas, tivemos certamente mais ganhos. Sua iniciativa agora, de levantar o assunto to ambiente de ELT é um sinal de que o caminho é produtivo. Uma famosa cafeteria de São Paulo, trocou todo um staff de homens e mulheres cis, depois de ter aberto vagas somente para pessoas trans e as mesmas terem oferecido um serviço altamente superior. Talvez, se mais empresas apostassem da mesma forma, o preconceito e exclusão já seriam hoje, coisa do passado.
(JV) Há muitas pessoas entrando no ELT no momento, várias delas são LGBT. O que você gostaria de dizer para elas?
(LM) Eu diria para que elas acreditassem no potencial e talento que elas possuem. Muitos de nós somos massacrados até por aqueles que deveriam nos amar incondicionalmente, pelo social e pelo mercado. Não devemos nos esconder e nos limitar ao mercado informal, do subgrupo e subjugado. É preciso erguer a cabeça, procurar por qualificação, acreditar no nosso talento e capacidade e exigir nossos direitos. Há muito talento no universo LGBTQ, e empresas antenadas com o futuro, se ainda não sabem, precisam se dar conta disso.
É preciso erguer a cabeça, procurar por qualificação, acreditar no nosso talento e capacidade e
exigir nossos direitos.
(JV) Laura, muto obrigado pela disponibilidade e bravura em dar essa entrevista.
(LM) Julio, eu é que agradeço!
Aproveito para agradecer Thiago Veigga pelo suporte e ajuda em desenhar essa entrevista.